Numa sociedade democrática, a arte desempenha um papel crucial como meio de expressão livre, crítica social e reflexão, permitindo que indivíduos e comunidades comuniquem ideias, desafiem normas e questionem estruturas de poder. Ela promove a conscientização e o debate público, preserva e celebra a identidade cultural e serve como um espaço para a inovação e experimentação, fortalecendo a diversidade e o pluralismo de pensamento.
A arte mobiliza movimentos sociais, inspira acções colectivas e proporciona entretenimento e alívio, contribuindo para o bem-estar e a coesão social. Mas em Moçambique, parece que todos esses princípios são esquecidos na maioria das vezes.
A arte, que deveria ser uma ferramenta de resistência e transformação, parece ter sido sequestrada por interesses políticos. O compromisso com a verdade, a justiça e a voz das comunidades parece ter se deixado de lado em favor de uma participação que não passa de um oportunismo bem remunerado. As músicas, por exemplo, que poderiam ser hinos de luta, tornam-se “jingles” eleitorais, e vêm promessas que pouco têm a ver com as realidades que esses artistas conhecem de perto.
Em Moçambique, os tambores que deveriam ressoar em protesto calam-se quando o tema é a injustiça. O que se vê é a prontidão dos artistas em se envolver quando se trata de campanhas eleitorais. Na época de eleições, aqueles que deveriam ser a voz do povo, ecoando as angústias e lutas diárias, surgem nas arenas políticas, prontos para cantar e promover partidos.
Arrancou recentemente a campanha eleitoral em Moçambique para as eleições gerais e nota-se a preferência dos artistas em participar em comícios de campanha ou alinhamento com partidos em que possam ter garantias financeiras. Diante dessa atitude, o artista moçambicano Stewart Sukuma manifestou-se numa publicação, onde considerou que a partidarização das artes e da cultura é definitivamente um retrocesso à democracia e uma demonstração inequívoca do sequestro das liberdades fundamentais do Homem, como um ser livre.
“O que me incomoda não é necessariamente o envolvimento dos artistas em campanhas; esse acto em si não tem nada de anormal e novo em Moçambique. Quanto a mim, o maior paradoxo reside no silêncio dos mesmos artistas na hora da intervenção social. Aqueles que são os primeiros a recuar quando todos devemos dizer NÃO à injustiça, ao sofrimento e à angústia dos mais desfavorecidos”, expressou-se Stewart.
Dando continuidade, Sukuma considerou ainda que “Moçambique caminha para o abismo por várias razões. Há uma frustração generalizada em todas as áreas. Quase que não temos fôlego. Aliás, os artistas não são e nunca foram prioridade para este sistema. Mas em nome de actuações nos casamentos dos ‘bosses’, galas, amizades e outros favores inconfessos, lá vamos ‘nós’ cantar e dançar nos comícios e a disseminar mensagens ressoadas nas redes sociais.” Concluiu o músico, com cerca de 40 anos de carreira.
Este não é o único grito de alerta que os artistas moçambicanos recebem. O escritor Sérgio Raimundo também deu o seu puxão de orelhas nas redes sociais, onde, num dos seus trechos, questiona o verdadeiro sentido de cidadania a ser exercida pelos considerados artistas da nação.
“Meus queridos músicos, eu não sei se isso de cantar ‘vivas, vivas’ de boca aberta, à espera de um naco de pão, é mesmo essa coisa estranha chamada cidadania. Eu não sei se vale a pena fazer do estúdio um pequeno santuário para recolher míseros dízimos políticos e nem sei se a vossa língua, depois de tanto ser usada, ainda reconhecerá o sabor delicioso de uma fatia de um bolo que se chama honra”, partilhou o escritor.
O povo, que tanto depende dessas vozes para amplificar as suas próprias, fica à mercê de uma cultura que se distancia das questões reais e urgentes. E enquanto os artistas continuarem a correr em direcção às campanhas, ignorando as manifestações contra as violências políticas, a arte torna-se cúmplice de um silêncio conveniente, um silêncio que custa caro para aqueles que ainda acreditam no poder transformador da música e da cultura.
Por: E. Chaúque