A Marrabenta é o principal ritmo musical de Moçambique, situado bem no coração da sua identidade. Ritmo urbano, a sua estilização deve-se a pessoas urbanizadas que, distantes do seu meio social e cultural e sujeitos à influência da cultura ocidental, criaram este ritmo, pegando noutros já existentes como a Magika, Xingombela e Zukuta.
Começou no final dos anos 30, mas será na década de 50 que se tornaria popular com conjuntos como Djambu e Hulla-Hoope Harmonia. A marrabenta incorporou vários ritmos folclóricos, é produto da miscigenação cultural das gentes do Sul do Save, e da dinâmica sócio-cultural das zonas circundantes de Lourenço Marques. A sua estilização verificou-se nas Associações de Naturais que tiveram um papel importante na defesa da cultura e identidade cultural dos africanos no período colonial, caracterizado pela supressão sistemática de qualquer manifestação cultural por parte dos nativos, consideradas folclóricas.
Assim, as Associações, Associação Africana (AA) e o Centro Associativo dos Negros da Província de Moçambique (CANPM) vão contribuir para o resgate da identidade e cultura moçambicanas apesar da pressão para cantar e dançar músicas e ritmos portugueses entre 1912 e 1975, aquando da Independência. Para a adopção e promoção da cultura moçambicana, destaque-se o trabalho de José Craveirinha (Associação Africana) e Samuel Dabula Nkumbula (Centro Associativo dos Negros) que, devido à [sua] consciência política e cultural, contribuem para a adopção e promoção de ritmos, músicas e danças africanas nas associações. A Marrabenta passou por várias fases.
A estilização da Marrabenta terá resultado da combinação do movimento migratório de Moçambique para a África do Sul e vice-versa, realizado predominantemente por indivíduos de origem rural que emigravam para as minas sul-africanas à procura de melhores condições de vida. No seu regresso, introduziam ritmos, aparelhos, discos e músicas apreendidas e ouvidas na África do Sul, junto às suas famílias e amigos. Desta forma, faziam com que estes entrassem no meio rural ou suburbano de Lourenço Marques, provocando a familiarização do meio sócio-cultural com estas novas expressões culturais, levando à gradual aculturação dos seus familiares mais próximos e aos habitantes das zonas onde habitavam.
A rádio contribuiu bastante para a propagação destes ritmos devido à preferência da população africana por esta fonte de informação e entretenimento, dado que a maioria da população era analfabeta e sem acesso à informação escrita. As bandas de música americanas e sul-africanas também tiveram a sua influência. As bandas norte-americanas tinham adeptos junto de um público africano mais evoluído que escutava as bandas de jazz americanas, enquanto que as bandas sul-africanas eram preferidas pelos emigrantes moçambicanos que estavam em contacto directo com a música negra sul-africana. Assim, a vinda de bandas sul-africanas a Moçambique irá despertar nos moçambicanos a vontade de as imitar. Em 1951, visita Moçambique o agrupamento sul-africano ‘Zonk’, constituído exclusivamente por negros. Foi a primeira vez que se viu e ouviu uma guitarra eléctrica em Moçambique tocada por negros. Isto teve um grande impacto sobre a população negra, como se pode imaginar.
As associações contribuíram para o surgimento e desenvolvimento de uma consciência cultural, social e politíca, apesar das restrições impostas pelo Estado colonial Português. Ao permitir a sua criação e surgimento, o Estado colonial tinha também em vista o controlo, orientação e a introdução de elementos da cultura portuguesa no seio destes grupos e, ao mesmo tempo, impedir a formação de uma frente comum por parte dos colonizados.
O surgimento da Marrabenta nas associações foi o culminar do processo de ‘Regresso às Origens’, iniciado na década de 1940 por vários pensadores e dirigentes africanos negros e mestiços. Este movimento foi liderado por um grupo de intelectuais e usava como armas a culinária, a poesia, a música, o desporto e a arte para afirmar valores e a identidade africanas. Deste periodo destacam-se poetas como Rui de Noronha, com o poema ‘Surge et Ambula’, publicado em 1936, e Noémia de Sousa com ‘Sangue Negro’ de 1949.
O momento mais celebrado deste movimento acontecerá em 1959, com a realização do espectáculo musical denominado ‘Concerto de Música Folclórica’ envolvendo as bandas ‘Hulla-Hoop’, ‘Harmonia’ e ‘Djambu’ na Associação Africana em Lourenço Marques. Este evento foi o primeiro da história da música negra moçambicana, segundo o jornal ‘Brado Africano’ , que o apelidou de ‘o Concerto Musical do Ano’. A experiência serviu para confirmar a viabilidade da execução de números folclóricos. Os agrupamentos musicais contribuíram, por seu turno, para a difusão da música ligeira entre a população africana, para a divulgação dos ritmos moçambicanos e a sua penetração no seio da população colonial. A dinâmica exibida pelas associações na segunda metade da década de 50 na defesa e promoção da cultura africana deveu-se principalmente a duas importantes figuras: José Craveirinha na Associação Africana e o Professor Samuel Dabula no Centro Associativo dos Negros.